Continuou a chover. Impiedosamente. O mundo ficou preso numa escala de cinzentos, ameaçando perder a alegria. Dizem, quando isto acontece, que o mais poderoso de todos os feiticeiros, farto da maldade dos homens, foge e refugia-se na mais alta de todas as montanhas. Com a sua partida, uma tristeza profunda abate-se sobre a natureza. Dizem que é assim desde que o mundo é mundo. Mas afinal, o que sabem as pessoas?
Só sei que havia um rapazinho que adorava ouvir histórias de flores, pois fascinava-o a sua beleza. E não lhe bastava a imaginação para as ver. Sonhava, por isso, com o dia em que partiria à procura do feiticeiro para lhe pedir que desse, de novo, cor ao seu mundo...
Os anos foram passando - porque o tempo é inexorável - e o rapazinho transformou-se num homem. Determinado, despediu-se da mãe e pôs-se a caminho para cumprir o seu propósito.
A montanha mais alta de todas as montanhas tinha o cume invisível. Havia uma escada e o percurso foi longo e demorado.
Um dia, uma voz perguntou-lhe o que viera ali fazer. Depois de explicar, o rapaz foi levado ao país das flores. Afinal, não só existiam, como eram ainda mais belas do que nas histórias.
A voz mandou-o colher aquelas de que mais gostasse. Sem hesitar, colheu uma de cada. Quando terminou, viu-se transportado para o seu país, com ordem expressa de que as plantasse. Com o seu regresso...
- Ó tia, é por isso que temos flores nos jardins? - perguntou o miúdo de olhos esbugalhados.
- Provavelmente. Que te parece?
- Às vezes acho estas partidas dos feiticeiros muito sem graça. O que achas que ele sentiria se ficasse sem flores nos país das flores?
Não respondi. Subitamente, o caos e o negro desenharam-se nos meus olhos. Observei atentamente o tufo de frésias coloridas do meu jardim e fiquei a pensar:
"Ainda bem que mora uma fada por baixo da minha janela".